As canseiras desta vida
tanta mãe envelhecida
a escovar
a escovar
a jaqueta carcomida
fica um farrapo a brilhar
Cozinheira que se esmera
faz a sopa de miséria
a contar
a contar
os tostões da minha féria
e a panela a protestar
Dás as voltas ao suor
fim do mês é dia 30
e a sexta é depois da quinta
sempre de mal a pior
E cada um se lamenta
que isto assim não pode ser
que esta vida não se aguenta
-o que é que se há-de fazer?
Corta a carne, corta o peixe
não há pão que o preço deixe
a poupar
a poupar
a notinha que se queixa
tão difícil de ganhar
Anda a mãe do passarinho
a acartar o pão pró ninho
a cansar
a cansar
com a lama do caminho
só se sabe lamentar
É mentira, é verdade
vai o tempo, vem a idade
a esticar
a esticar
a ilusão de liberdade
pra morrer sem acordar
É na morte ou é na vida
que está a chave escondida
do portão
do portão
deste beco sem saída
-qual será a solução?
José Mário Branco
Obrigada Sansão... este poema encaixa em qualquer tempo ;)
Este é um post que tem todo o direito de estar aqui!
Há meses uma amiga aceitou partilhar este cantinho, que considero tímido e tão cheio de coisas que me esqueço de contar, e escreveu este post lindo, mas o "sistema" não permitiu que ele entrasse a tempo.
Pois bem, a terminar o ano ele não podia passar para 2009 em arquivo.
Disfrutem assim como eu :)
Doce carícia maternal
Estando longe de ti
mãe querida, terra minha.
Longe dos teus braços e afectos,
dos teus, sempre doces, carinhos.
Deixei-te no meio do meu adorado atlântico
buscando minha vida
voando para o conhecimento,
mas sempre recordando o teu peito encantado.
Meio coração ainda procura o amor,
o teu amor encantado, sempre desejado.
Um dia sonhei contigo
o outro dia também.
Mas ante o sonho,
a tua presença em minha memória é tão forte,
sinto o teu toque,
tuas carícias...
adormeço...
para novamente sonhar contigo
tão doce, tão suave
e sempre minha querida!
Tudo o que sinto são saudades
"inúmeras" saudades...
e tudo isso é amor,
porque te amo demais!
Hildmel
A mãe preta é assim, não abandona mas deixa o filho voar a procura de novos rumos. Vaí, diz com confiança e no canto do olho fica a lágrima que teimosamente aparece e a mãe preta reitera vaí, não passa nada, tudo vai ficar bem. Seguimos em frente, porque a mãe preta não se contradiz, porque na mãe preta confiamos, porque aos tropeções nos cuida, nos ama e quer se sejamos gente... mãe preta tira-nos a saia de cima porque quer que os seus filhos sejam "gente". Envia-nos para o desconhecido mas mesmo ao longe nos vigia, nos ama e é impossível não sentirmos o mesmo.
Gracias chica por partilhar o Mãe Preta comigo, apesar do atraso... apareci (já era tempo ou mesmo a tempo...não sei mas cá estou)
Um poema preferido que me lembra os tempos em que mãe preta proíbia de namorar e controlava cada passo. Um tempo em que na leitura, nos clássicos, na escrita se depositava a esperança, a frustração, os amores platónicos, as paixões sem remédio.
Bom fim-de-semana
São belas - bem o sei, essas estrelas,
Mil cores - divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti - a ti!
Divina - ai! sim, será a voz que afina
Saudosa - na ramagem densa, umbrosa.
Será: mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti - a ti!
Respira - n'aura que entre as flores gira,
Celeste - incenso de perfume agreste.
Sei... não sinto: a minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti - de ti!
Formosos - são os pomos saborosos,
É um mimo - de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... mas é de beijos
É só de ti - de ti!
Macia - deve a relva luzidia
Do leito - ser por certo em que me deito
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Tocar noutras delícias
Senão em ti - em ti!
A ti! ai, a ti só os meus sentidos,
Todos num confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti;
E, quando venha a morte,
Será morrer por ti.
Almeida Garrett
Este e outros aqui
Outro poema de Alda Lara, sacado do Cais de Poemas, um espaço muito especial
E apesar de tudo,
Ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...
A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
Nascendo dos braços das palmeiras...
A do sol bom, mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
Salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...
Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11!... Rua 11!...)
pelos meninos
de barriga inchada e olhos fundos...
Sem dores nem alegrias,
de tronco nu
e corpo musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...
E eu revendo ainda, e sempre, nela,
aquela
Longa história inconsequente...
Minha terra...
Minha, eternamente...
Terra das acácias, dos dongos,
dos cólios baloiçando, mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.
Ainda sou a que num canto novo
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu povo!
Benguela,1953(Poemas,1966)